Exame.com
Continua após a publicidade

A responsabilização judicial por danos climáticos pode revolucionar o combate ao desmatamento

Ações civis públicas pedem multas milionárias para infratores ambientais por emissões de gases do efeito estufa na Amazônia

Alexandre Mansur: "As ações civis representam não apenas uma resposta jurídica à destruição ambiental, mas também uma oportunidade de avançar na abordagem dos desafios ambientais e climáticos no Brasil" (Ueslei Marcelino/Reuters)
Alexandre Mansur: "As ações civis representam não apenas uma resposta jurídica à destruição ambiental, mas também uma oportunidade de avançar na abordagem dos desafios ambientais e climáticos no Brasil" (Ueslei Marcelino/Reuters)

Vinte ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) no Estado do Amazonas, entre 2019 e 2023, marcam um novo capítulo na batalha contra o desmatamento desenfreado na Amazônia.

Essas ações, que visam responsabilização pelos danos climáticos decorrentes da grilagem e desmatamento, destacam a conexão direta entre essas atividades e as mudanças climáticas globais. O MPF busca não apenas a responsabilização, mas também o pagamento de multas milionárias, na tentativa de mitigar os danos causados pelos infratores.

O Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Antimary, uma área emblemática do Amazonas, tornou-se o epicentro dessas ações. Criado em 1987, o projeto representa a luta e resistência dos povos tradicionais da floresta. No entanto, ao longo dos anos, a região tem sido alvo de invasões, conflitos fundiários e desmatamento ilegal, colocando em risco não apenas a biodiversidade, mas também o modo de vida das comunidades locais.

Em setembro do ano passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com uma ação civil pública por dano climático contra um pecuarista autuado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por ter desmatado e queimado 5,6 mil hectares da Floresta Amazônica entre 2003 e 2016, na região do PAE.

As infrações ambientais representaram a emissão de 901 mil toneladas de gases do efeito estufa, o que levou a AGU a pedir a condenação do infrator ao pagamento de R$ 292 milhões a título de compensação financeira.

Essas ações buscam marcar um novo momento no combate às mudanças climáticas. Para isso, é importante entender os quatro fatores fundamentais que permitiram o uso eficaz das ações civis públicas no enfrentamento dos danos climáticos:

1 - Desmatamento é a principal causa de emissões do país - A mudança no uso do solo, principalmente o desmatamento, é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil, representando mais de 50%, segundo estudos do projeto Amazônia 2030. Eliminar o desmatamento já propicia o cumprimento das metas estabelecidas pelo país no Acordo de Paris. Por conta disso, o combate a essa atividade precisa ser visto como uma grande estratégia de Estado.

2 - Áreas Protegidas facilitam o combate - O desmatamento praticado no território do PAE Antimary não apenas era ilegal, mas também era impossível de regularizar, pois consistia em uma área protegida. Ou seja, as emissões de que se tratava eram absolutamente ilícitas, e jamais seriam sequer autorizadas. Se essas emissões jamais poderiam ter existido, alguma solução jurídica para que fossem remediadas se faz necessária.

3 - Tecnologia para identificar o desmatamento - O acesso a imagens de satélite permitiu quantificar o dano causado pela remoção da floresta, ilustrando perfeitamente o processo de grilagem das terras públicas na região.

4 - Parceria com instituições de pesquisa - A parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) possibilitou o cálculo preciso das emissões de gases de efeito estufa derivadas do crime, usando a Calculadora de Carbono, uma ferramenta que considera as características específicas do território desmatado.

Embora essas ações ainda estejam em curso na Justiça, há pontos que precisam ser aprofundados. A interconexão entre direito ambiental, direito climático e responsabilidade civil, assim como a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e colaborativa no enfrentamento dos desafios ambientais e climáticos, demandam uma reflexão mais profunda e uma ação conjunta entre instituições e sociedade civil.

No entanto, as ações civis representam não apenas uma resposta jurídica à destruição ambiental, mas também uma oportunidade de avançar no entendimento e na abordagem dos desafios ambientais e climáticos no Brasil, contribuindo para a proteção da Amazônia e para a promoção da justiça climática.