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Um panorama nacional do combate ao câncer: desolador, mas finalmente claro

O acesso a dados de qualidade e uma comunicação assertiva podem oferecer uma esperança na atenção ao câncer de mama no Brasil; Panorama Nacional revela dados

Panorama Nacional do Câncer de Mama é lançado no Brasil (Siam Pukkato / EyeEm/Getty Images)

Panorama Nacional do Câncer de Mama é lançado no Brasil (Siam Pukkato / EyeEm/Getty Images)

Daniela Grelin
Daniela Grelin

Diretora Executiva do Instituto Avon

Publicado em 23 de abril de 2024 às 10h00.

Última atualização em 23 de abril de 2024 às 10h27.

Ao observarmos o Dia Mundial do Combate ao Câncer, no último dia 08/04, reconhecemos a importância da comunicação, responsável e educativa, como precursora e habilitadora de uma transformação sistêmica necessária à superação deste flagelo.

Não me refiro à comunicação sobre os avanços científicos, também fundamental, mas à dupla função da comunicação com as mulheres leigas e suas famílias a respeito dos fatores de risco, sinais, direitos e meios de acesso ao diagnóstico e cura, e, também, com a sociedade em geral, qualificando o debate público com base nas evidências a respeito da incidência, evolução, diagnóstico e tratamento do câncer, a partir das bases de dados do SUS.

Destaco, especificamente, o potencial do jornalismo sério e bem fundamento de mover consciências e vontade política, considerando que a história nos ensina que as transformações políticas são precedidas por transformações de consciências – e estas se manifestam por meio de diferentes formas de apelo social. Só então os dados cumprem sua função de iluminar cenários e mover a gestão pública na escolha de prioridades e construção de um compromisso político.

Tenho percebido que o apetite da imprensa por dados oficiais, rigorosos e bem-organizados é grande, até porque este é o tipo de prática que a diferencia do onipresente labirinto das fake news. O lançamento do Panorama Nacional do Câncer de Mama vem corroborar com esta observação.

Desenvolvido pelo Instituto Avon, em parceria com a ABRALE e a Cluster, o Panorama consegue mapear aspectos críticos para o aperfeiçoamento de uma gestão integrada do câncer de mama. Vejamos alguns dados que nos dão os contornos deste panorama:  O Brasil adota uma política de fazer exames de rastreamento (não sintomáticos) em mulheres entre 50 e 69 anos. No período pré-pandêmico, a taxa de rastreamento mamográfico era de 23%, já bem abaixo do patamar preconizado pela OMS, de 70%. No período pós-pandêmico, 2021 – 2022, a taxa caiu para 20%.

Esta insuficiência na cobertura do rastreamento mamográfico cria as bases para um desastre previsível e evitável. A pesquisa também mostrou que pacientes entre 50 e 69 anos – faixa etária indicada pelo Ministério da Saúde para início da realização de exames de rastreamento de câncer de mama – foram diagnosticadas em estágios avançados em 35,3% dos casos entre 2015 e 2021.

O mesmo ocorreu com 39,6% das mulheres entre 40 e 49 anos e com 53,9% das que tinham entre 20 e 29 anos. O Panorama revela ainda que entre 2015 e 2022, 52,4% das mamografias para rastreio de câncer de mama foram realizadas em mulheres brancas, enquanto 28,5% foram realizadas em mulheres pardas e apenas 5,8% em mulheres pretas. Mulheres amarelas representam 13,4% dos exames, já indígenas apenas 0,1%.

A diferença entre a realização de mamografias, considerando características étnico-raciais, demonstra um desequilíbrio no acesso a exames de rastreamento da doença, pois é desproporcional ao cenário demográfico brasileiro, cuja população é formada em 55,5% por pessoas pretas e pardas de acordo com o IBGE.

Fica patente o quanto o perfil social, etário e étnico-racial está fortemente correlacionado ao tempo entre suspeita e diagnóstico – e entre este e o início do tratamento também. Os dados do Panorama podem ser analisados com recorte racial, regional e estadual oferecendo ao gestor público uma visão clara e aprofundada das oportunidades de aprimoramento das políticas públicas de atenção a esta moléstia, que nos desafia há décadas, sem melhoras significativas em nenhum estado brasileiro com a possível exceção do Amapá, que ainda precisa de importantes avanços em dados importantes mas apresentou relevantes avanços em cobertura mamográfica e tempo para início de tratamento.

Cabe a nós, sociedade civil nos apropriarmos dos dados, bem compreendidos e bem comunicados, entendendo que informação é poder. Este poder nunca é tão necessário quanto na tarefa de endereçar de forma transformadora esta demanda social urgente: avançarmos na superação da doença que mais mata a mulher adulta no Brasil.

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